sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Anjinho.

"O amor calcula as horas por meses, e os dias por anos; e cada pequena ausência é uma eternidade."
[John Dryden]


Ontem, véspera de Natal, a terra ficou menos feliz e o céu menos triste. Meu irmãozinho, amigo e companheiro de quatro patinhas sujas foi morder o pé dos anjos. E não há palavras que descrevam essa saudade pouco familiar e esse silêncio que inundou a minha voz de tristeza. Mesmo assim eu vou tentar...
Eu aprendi a aceitar e a respeitar a morte, mas jamais vou aprender a não sentir saudades. A não lembrar do cheirinho de neném, ou de cachorro sujo, dos olhinhos brilhando quando me viam, dos latidos irritantes, dos beijos de bom dia, das gracinhas por um presente, da alegria quando via a coleira, do nervoso quando queria comer, do xixi na minha mala, do ronco quase igual ao do meu pai, da orelhinha em pé a cada barulho diferente, da fome insaciável, dos espirros por atenção, dos carinhos de consolo, dos abraços, das mordidas, da compreensão e dedicação intermináveis, da entrega sem pedidos de recompensa e sem limites, e do amor mais puro que se pode existir.
Ninguém tem o direito de duvidar da existência dos sentimentos desses bichinhos tão inocentes e frágeis. Só quem viveu um grande amor ao lado deles sabe como é verdadeira e intensa essa relaçao, e como ela pode ser genuína e gratificante.
Como lidar agora com um passado que ainda não passou, com um presente que nos machuca e com um futuro que não nos convida a seguir em frente? Como segurar o choro quando voltar pra casa e ver os brinquedos esparramados, e que já faziam parte da decoração, a coleira pendurada esperando pra sempre por um passeio que não vai acontecer, os potinhos de água e de comida que vão permanecer cheios por um tempo sem fim, as camas, travesseiros e almofadas que não serão mais aninhadas, as fotos sem continuação, os cômodos menores pela ausência de afeto, o silêncio que não acaba jamais e as lembranças, que não param de voar pela memória a fim de encontrar um espacinho na realidade que nunca mais vai existir?
O que resta é um sentimento de vazio, de buraco na alma, de falta de alguma coisa que não foi feita pra faltar. O que acalma é a sensação de dever cumprido, de paz de espírito, de amor eterno e jamais etéreo. Nós temos esse costume tolo de, mesmo sabendo que uma hora ela chega, não esperar a morte pra jantar. E, por isso, nunca estamos preparados para servi-la de modo sereno. Acontece que ninguém quer pôr um prato a mais na mesa e depois ser obrigado a conviver com a falta de dois deles. Uma vez que não suportamos a vida, a morte não pode ser de um todo aceita.
A dor uma hora se levanta e vai embora. A saudade vai se sentir em casa pra sempre.
Ontem, dia 24 de dezembro de 2010, véspera de Natal, às 23h40min o nosso anjinho de quatro patas, e com o nariz e a boquinha mais lindos do mundo, foi morar no céu causando-nos uma dor proporcional ao amor que sentimos por ele. Imensa. Intensa. Eterna.

Meu neném, nego véio, vovô nervoso, obrigada por ter me feito mais humana. Eu te amo.


"Talvez a gente esteja no mundo para procurar o amor,
encontrá-lo e perdê-lo, muitas e muitas vezes. Nascemos
de novo a cada amor e, a cada amor que termina, abre-se
uma ferida. Estou cheia de orgulhosas cicatrizes."
[Isabel Allende]

Tatuagem.

Hoje é Natal. Papai Noel mandou entregar esse presentinho...


Tatuei em mim o nome teu.
Ao invés de tinta usei carvão
e o fogo, que não era meu,
pôs em chamas o meu coração...
Então sangrei.

Nem o arco-íris conseguiu
colorir o que escureceu.
Minha pele não cicatrizou,
e a tatuagem desbotou...
Então sangrei.

Quando resolvi eliminar
cada traço que não completei,
o desenho resolveu ficar.
Penetrou em mim até sangrar...
Então sangrei.

Quando resolvi eliminar,
ao invés de tinta usei carvão.
Minha pele não cicatrizou.
Penetrou em mim até sangrar...

Então sangrou.




"Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é prá te dar coragem
Prá seguir viagem
Quando a noite vem..."
[Tatuagem - Chico Buarque]

sábado, 18 de dezembro de 2010

O que te faz sorrir?

Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco.

(Memórias de Minhas Putas Tristes - Gabriel García Márquez)


E eu estou sorrindo agora: just share.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Gostar.

"O amor não poderia morrer, ele não tem fim. Nós que criamos a despedida por não suportar sua longevidade.
(Quantas vezes eu assassinei o amor?)"

[Fabricio Carpinejar]


E quantas vezes eu insisti na reanimação, em ligar pra ambulância ou nas rezas de todos os santos?
E quantas vezes eu me permiti, me entreguei, me desvendei e acabei por me despedaçar (pra depois sair por ai juntando os pedacinhos, sem reclamar da minha má sorte)?
E quantas vezes eu falei por um olhar, um abraço, um sorriso (pelas sutilezas do romance que se perdem com o tempo)?
E quantas noites eu não zelei pela dúvida pra acordar feliz ao lado da certeza mais gostosa do mundo?
E quantos cheiros, sussurros e sabores eu não experimentei de cara amarrada (e depois acabei me acostumando a sentir o doce que é compartilhar os temperos do dia-a-dia)?
E quantas foram as tentativas frustradas de falar o que eu sentia (até que finalmente eu me libertasse das amarras que seguravam o meu coração)?
E quanto tempo eu não passei desejando caminhar lado a lado, sem poder falar, nem ouvir, nem ver, só sentir (pra depois descobrir que desejar não é menos suficiente do que agir)?

O inato é duvidoso há séculos. Pra saber fazer nós devemos tentar fazer, e só. Mas tentar de coração aberto, com vontade, empenho e pé no chão.
As dúvidas nos abrem portas quando conseguimos desvendá-las, e não quando insistimos em tê-las como companhia. Sonhar é essencial, mas viver é respirar. Duvidar é procurar o caminho, mas acreditar é já estar caminhando. Errar é aprendizado, mas acertar é conclusão. Fugir é se afastar dos medos, mas enfrentar é eliminá-los. Experimentar é buscar prazer, mas fincar raízes é sentir prazer.

Construir algo ao lado de alguém é compartilhar, é multiplicar, é arriscar. É não precisar olhar para o lado, simplesmente por saber que a pessoa vai estar ali... Sempre.