sábado, 6 de março de 2010

Eles.

'Ela não é assim. Ela esteve assim. E porque esteve assim, hoje ela é do tamanho do mundo'

Ele

Não sabia o que sentir. Agora se questionava também sobre o que um dia sentira. Eram tantos os porquês que simplesmente não ousava sequer tentar respondê-los. Como estava sofrendo! Como doía! Será que ela estava sentindo o mesmo? Era a coisa certa a fazer? Certo ou errado, era o que deveria ser feito. E estava feito, ponto final. Não via outra alternativa senão deixá-la, ou deixar-se ir. Como haviam chegado àquele ponto? Tanto amor não fora suficiente? Qual era o seu problema afinal? Tratava-a como um anjo, como uma princesa. Amava-a como uma mulher. Tantos mimos, carinhos e promessas não podiam ter sido em vão, simplesmente não podiam ter se perdido assim, por motivo tão incoerente, encoberto, incerto. O fato é que agora ela era uma sombra, uma nuvem de recordações que pareciam tão distantes como as estrelas. Não sabia se ouvia o coração ou a razão, quando, em conflito direto, as lembranças boas e as ruins apareciam como um flash em sua frente, trazendo à tona as abundantes lágrimas e as intermináveis gargalhadas. Ela era engraçada, disso se lembrava o tempo todo. Não tinha idéia do quão bonita e especial ela podia ser se quisesse. Mas ela não quis. Ela se fechou pra ela mesma, e acabou se fechando pra ele. Havia ele falhado? Não... Todos lhe diziam que não. Mas seu coração, ainda em dúvida, não sabia dizer ao certo se ele poderia ter ido além, além de tudo que existe pra trazer o brilho de volta àqueles olhos que um dia foram tão cheios de vida. E o que ia fazer agora? Tudo remetia a ela. Até então estava indo muito bem. Tinha uma família linda, e amigos que não iam deixar com que caísse. Não a veria com facilidade, é fato. Mas será que era isso o que realmente queria? Apagar, esconder, deixar pra trás um amor tão puro, tão lindo e que durante todo esse tempo fora tão cheio de sonhos? O tempo... O tempo curaria. Mas talvez o tempo a levasse pra longe, pra um lugar fora do alcance do seu abraço, e isso soava como um pedido pra que não respirasse. Droga! Por que ela tinha que ter destruído tudo? Por que ela havia dito palavras tão duras? Por que atitudes tão baixas, tão devastadoras? Que monstro ela fora aos olhos dele. Como alguém antes tão pequena e indefesa podia ter se transformado naquilo, naquele ser que não podia ser considerado humano, naquele ser sem amor, sem consideração, sem caráter. Estava muito ferido, e essa era sua única certeza naquele momento. Ou será que ainda a amava, queria amar e amaria a ponto de perdoar, de se redimir frente a si mesmo, de passar por cima de todo o orgulho ferido e começar mais uma vez, quase do zero, a ser mais do que um... a ser apenas um ao lado dela e junto com ela?


Ela

Estava caminhando melhor. Muito embora ainda estivesse muito assustada, ela já conseguia pensar com mais clareza, acordar com menos dor, menos culpa. Mesmo assim, de tempos em tempos sentia uma vontade arrebatadora de chorar. Às vezes segurava, às vezes chorava até perder de vista o tempo. Tempo. Era o que todos lhe diziam que curaria as feridas agora expostas. Mas custava cada gota de seu sangue, cada migalha de sua esperança e cada sopro de vida que tinha, esperar por um tempo distante, por um destino incerto e pela cura de uma dor que parecia incurável. Já havia se culpado e crucificado de todas as maneiras possíveis, no entanto, começava a aceitar que todas as pessoas estão sujeitas ao erro, e todo ser humano é passível de um momento de devaneio, de loucura, de subversão. E através dessa aceitação que vinha pensando em trejeitos para seguir em frente, para se recompor por ela mesma. Não sabia por quanto tempo tinha estado em outro lugar, sido outra pessoa. Sabia, porém, que ao lado dele ela tinha sido verdadeiramente feliz. Tinha se desviado do caminho, se perdido em meio a tantas inseguranças, mas estava disposta a encontrar novamente a trilha em que sua felicidade caminhava ao lado da dele. Estava decidida a tomar as rédeas da sua vida, de uma vez por todas, como uma pessoa adulta e segura. Ela o amava mais que tudo, mas sentia que seu amor fora falho e dera brechas para uma possibilidade amarga, a possibilidade de perdê-lo. Era humana. Apesar de tudo que fora capaz de fazer e dizer, sentia-se mais humana do que nunca. Mais próxima de si mesma, mais próxima daquele que era o menino dos seus olhos, o homem que escolhera para entregar a sua vida, a pessoa que a conhecia como nenhuma outra neste mundo, daquele que ela costumava, carinhosamente, chamar de seu nenê. Fora extremista. Precisara chegar ao fundo do poço para perceber que estava caindo. Caindo do terreno plano, sólido e a prova de quedas que era o sentimento que eles haviam construído juntos. Tudo parecia mais claro. Entendia que tudo o que tinha sentido, todo o ciúme infundado e toda a mágoa ressentida partiam da sua falta de amor próprio, que por sua vez derivava da distorção de sua auto-imagem. Todos tentavam convencê-la do contrário. Arduamente, ele, mais do que ninguém, se empenhara em fazer com que ela se sentisse a menina mais especial do mundo, o que de fato, era o que ela era. Mas ela estava cega apesar de ver. Estava surda apesar de ouvir. Estava doente apesar da boa aparência. Hoje era mais forte. Hoje já não era tão jovem e tola quanto ontem. Hoje ela se amava mais, e porque se amava mais, amava-o com mais força, mais confiança, mais certeza. Talvez o estrago já estivesse feito, mas não ousava desistir. Ferira a pessoa mais linda frente aos seus olhos, a que amava com tanto coração que perdia os sentidos. E o que não é melhor alvo para se ferir senão o grande amor da nossa vida? É à ele que dedicamos noites, cartas, músicas e toda gama de sentimentos do mundo, que por serem tão abundantes e intensos acabam se confundindo e se mesclando em amor e ódio. Machucara o amor da sua vida. Sabia que tinha tocado fundo em sua alma, mas sabia também que em tantas outras vezes havia o tocado com tanto carinho e paz, que não existia a possibilidade de reducionismos. Ela tinha o magoado profundamente, mas tinha o amado ainda mais e gostava de acreditar que a sementinha de amor que havia plantado nele dia a dia, durante esses meses que pareciam anos, era a única coisa capaz de se tornar antídoto contra esse veneno que se instalava agora em seu coração. Ela queria e iria reconquistar a sua confiança e a sua admiração. Pois todo o amor que os dois haviam construído, toda a magia que sentiam, toda a alegria estampada no rosto não podiam se desfazer com o vento. Ela esteve brigada consigo mesma, mas ela não é assim. Ela deixou que o passado e o desconhecido a levassem pra longe, mas ela não é assim. Ela o amou, o ama e vai o amar eternamente, e é assim que ela é.



"Mesmo que eu persista, mesmo que eu corra, mesmo que eu mantenha esta euforia correndo pelas veias...
Mesmo que eu desista, mesmo que eu páre, mesmo que eu desligue os motores...
Mesmo que eu insista em sonhar, mesmo que eu faça o bem, mesmo que eu idealize os sentimentos...
Mesmo que eu não tenha mais aspirações, mesmo que eu cause dor, mesmo que eu me torne apática...
Mesmo que o tempo voe, mesmo que o relógio quebre.
Mesmo que o mundo acabe, mesmo que a esperança se renove.
Mesmo que eu não seja mais eu.
Mesmo que você não seja mais você.
Mesmo que o chão seja céu, e o céu seja ilusão.
Mesmo que mude. Mesmo que não mude.
É sempre amor. É sempre igual."


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